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Como a União Europeia quer tornar-se uma potência mundial de startups?

Num contexto global marcado pela aceleração tecnológica, pela emergência de novos modelos de negócio e pela crescente interdependência entre inovação, competitividade e soberania económica, a União Europeia delineou uma estratégia ambiciosa com o propósito de consolidar o seu posicionamento enquanto espaço privilegiado para a criação, crescimento e internacionalização de empresas inovadoras. A estratégia “Open for Startups & Scaleups”, publicada em 2025, estrutura uma visão integrada para transformar a Europa numa potência mundial no domínio do empreendedorismo tecnológico, promovendo um ambiente propício ao desenvolvimento de startups e scaleups com capacidade de gerar impacto económico e social à escala global.

Mais do que um mero plano de apoio a empresas emergentes, esta estratégia assume-se como um instrumento estruturante de política pública europeia, com implicações transversais ao mercado interno, ao financiamento da inovação, à mobilidade de talentos e à governação digital. Num esforço deliberado de superação das barreiras estruturais que ainda limitam o potencial do ecossistema europeu – designadamente no acesso a capital, na fragmentação regulatória, na dificuldade de internacionalização e na escassez de talento especializado – a Comissão Europeia propõe uma abordagem coordenada e orientada para resultados, que combina incentivos, reformas institucionais e mecanismos de monitorização rigorosa.

O documento estabelece como ambição central tornar a Europa num território onde empresas baseadas em conhecimento e tecnologia possam nascer, escalar e competir com condições semelhantes às oferecidas por outros polos de inovação global, como os Estados Unidos ou a Ásia. Simultaneamente, articula esta visão com os objetivos estratégicos da União em matéria de transição verde e digital, resiliência económica e autonomia estratégica em setores críticos. Ao colocar a inovação empresarial no centro da agenda europeia, esta estratégia traduz-se num apelo claro à ação por parte de governos, investidores, centros de saber e empreendedores: criar, em conjunto, as condições para que as próximas gerações de empresas de base tecnológica floresçam em solo europeu.

O Que Está em Jogo: Por Que Esta Estratégia Importa?

A relevância da Estratégia Europeia para Startups e Scaleups reside na sua capacidade de responder, de forma sistémica e articulada, aos desafios estruturais que há muito comprometem o pleno aproveitamento do potencial empreendedor no espaço europeu. Num cenário em que a Europa detém um capital científico e tecnológico altamente qualificado, universidades de excelência, centros de investigação de referência e um mercado interno com mais de 450 milhões de consumidores, persiste ainda uma assimetria preocupante entre capacidade de criação de conhecimento e capacidade de o converter em valor económico sustentável e escalável.

A fragmentação regulatória entre Estados-Membros, a escassez de instrumentos de financiamento em fases avançadas de crescimento, os entraves burocráticos ao desenvolvimento de negócios transfronteiriços e a dificuldade de atração e retenção de talento especializado constituem obstáculos persistentes que comprometem a competitividade do ecossistema europeu. Por outro lado, a ausência de mecanismos eficazes de valorização da inovação desenvolvida em contexto científico e académico limita a emergência de startups deeptech capazes de transformar conhecimento em soluções aplicadas com impacto industrial, ambiental e social.

A nova estratégia reconhece estas limitações e propõe-se enfrentá-las com uma abordagem integrada e orientada por objetivos mensuráveis, promovendo simultaneamente:

  • o aumento da produtividade e da competitividade da economia europeia;
  • a criação de empregos qualificados em setores de elevado valor acrescentado;
  • a captação de investimento privado e de talento altamente qualificado de países terceiros;
  • e a consolidação da autonomia estratégica da Europa em áreas tecnológicas críticas, como inteligência artificial, energias renováveis, biotecnologia, semicondutores ou segurança digital.

Importa, por isso, compreender esta estratégia não apenas como uma política de apoio a empresas em fase de arranque, mas como parte de um desígnio mais amplo de construção de uma Europa mais resiliente, inovadora e soberana. O sucesso da sua implementação terá repercussões diretas na capacidade da União Europeia afirmar-se como espaço relevante no novo mapa económico global, onde o conhecimento, a agilidade e a inovação ditam as regras da competitividade.

Cinco Pilares para uma Europa Inovadora

A Estratégia Europeia para Startups e Scaleups assenta num modelo de intervenção estruturado em cinco eixos fundamentais, concebidos para atuar de forma coordenada sobre os principais fatores de bloqueio que impedem a emergência e consolidação de empresas inovadoras na Europa. Estes pilares operam de forma interdependente, articulando medidas legislativas, instrumentos financeiros, mecanismos de apoio técnico e plataformas de colaboração institucional, com o objetivo de criar um ecossistema verdadeiramente propício à inovação e ao crescimento sustentado.

1. Promoção de um Ambiente Favorável à Inovação

Este primeiro eixo visa assegurar um enquadramento regulatório moderno, transparente e funcional, que favoreça a criação e operação de startups em toda a União. Entre as iniciativas previstas destaca-se a implementação do chamado “28.º regime europeu”, uma estrutura opcional harmonizada que permite às empresas operarem de forma mais fluida no mercado único, superando os entraves decorrentes da multiplicidade de legislações nacionais.

Simultaneamente, está prevista a criação da European Business Wallet, uma ferramenta digital que simplificará a gestão de procedimentos administrativos e o acesso a serviços públicos transfronteiriços. Em complemento, o futuro European Innovation Act pretende reunir, num único enquadramento legislativo, os principais princípios orientadores para a regulação da inovação na União Europeia, com particular enfoque na redução da carga administrativa em setores estratégicos.

2. Reforço do Acesso a Financiamento

O segundo pilar responde à carência estrutural de financiamento de risco, sobretudo em fases de crescimento e escalabilidade. A estratégia propõe a expansão das atividades do European Innovation Council (EIC) – nomeadamente através da simplificação das suas regras de acesso e operação – e a criação de dois instrumentos de capital fundamentais: o Scaleup Europe Fund, focado em apoiar empresas em fase de crescimento acelerado, e o European Innovation Investment Pact, que pretende mobilizar capital público e privado para tecnologias emergentes com elevado potencial de disrupção.

Estes instrumentos serão essenciais para colmatar o denominado “vale da morte” financeiro que muitas startups enfrentam ao transitar da fase de validação para a de expansão internacional.

3. Apoio à Entrada no Mercado e à Escala Comercial

Este eixo reconhece que a inovação, por si só, não é suficiente. É necessário garantir que as soluções desenvolvidas encontram vias eficazes para atingir o mercado. Assim, a estratégia propõe o lançamento da iniciativa “Lab-to-Unicorn”, concebida para apoiar a transformação de projetos científicos em negócios sustentáveis e globalmente competitivos.

Além disso, promove-se uma abordagem de compras públicas pró-inovação, através da qual as administrações públicas se posicionam como primeiras utilizadoras de soluções tecnológicas emergentes, criando mercados iniciais para produtos inovadores e reduzindo os riscos de adoção.

4. Atração e Retenção de Talento

Ciente de que o talento é o principal vetor de inovação, este pilar centra-se na criação de condições favoráveis à mobilidade e valorização de recursos humanos altamente qualificados. A proposta da iniciativa Blue Carpet – inspirada no modelo de vistos tecnológicos adotado por outros blocos económicos – visa facilitar o acesso de fundadores, investigadores, estudantes e profissionais especializados ao território europeu, promovendo fluxos de conhecimento e de competências.

Este esforço será complementado com políticas de incentivo à formação avançada e à colaboração entre ecossistemas académicos e empresariais, estimulando a circulação de saber e a fertilização cruzada entre ciência e indústria.

5. Acesso a Infraestruturas, Redes e Serviços

O quinto pilar procura responder à necessidade de acesso equitativo e eficaz a recursos partilhados essenciais à maturação de ideias e ao desenvolvimento de negócios. Será criada a Charter of Access, um compromisso europeu que garantirá aos empreendedores o direito de acesso a infraestruturas tecnológicas, redes de incubação e aceleração, serviços especializados e plataformas de apoio à inovação, independentemente do seu Estado-Membro de origem.

Este esforço visa mitigar as desigualdades territoriais no acesso a recursos críticos, promovendo a coesão económica e o reforço das capacidades de inovação fora dos grandes centros urbanos.

Como Será Avaliado o Progresso? Indicadores, Transparência e Governança Estratégica

Uma das dimensões distintivas da Estratégia Europeia para Startups e Scaleups reside na preocupação em assegurar mecanismos claros, robustos e transparentes de monitorização da sua implementação e eficácia. Longe de se limitar à formulação de intenções programáticas, a Comissão Europeia estabelece um quadro de acompanhamento baseado em métricas objetivas, permitindo aferir, em tempo real, o impacto concreto das medidas adotadas e a sua contribuição efetiva para os objetivos estratégicos traçados.

No centro deste sistema de monitorização está o lançamento do Novo Scoreboard Europeu de Startups e Scaleups, uma ferramenta comparativa que permitirá avaliar, de forma sistemática, o desempenho dos ecossistemas de inovação dos diferentes Estados-Membros face a padrões internacionais. Este instrumento incluirá indicadores como: número de startups criadas, volume de investimento captado, percentagem de scaleups ativas, sucesso na internacionalização, atratividade para talentos e capacidade de transferência tecnológica.

Paralelamente, será promovido um inquérito anual europeu dirigido às startups e scaleups, permitindo recolher dados qualitativos e quantitativos diretamente dos agentes do terreno, com vista a identificar barreiras emergentes, avaliar o grau de implementação das políticas e adaptar as respostas estratégicas às necessidades reais do ecossistema. Esta aproximação baseada na escuta ativa e na evidência empírica confere à estratégia uma componente dinâmica e responsiva, fundamental num setor em permanente transformação.

A nível institucional, a responsabilidade pelo acompanhamento será assumida, entre outros, pelo European Innovation Council Forum, uma instância multilateral que reunirá decisores políticos, representantes da indústria, investidores, universidades e centros de inovação. Este fórum terá como missão transformar as ambições definidas em ações concretas, assegurando a coordenação entre níveis de governação, o alinhamento com as prioridades do Pacto Ecológico Europeu e da Década Digital e a partilha de boas práticas entre países.

Por fim, a Comissão Europeia compromete-se a apresentar, até 2027, um relatório detalhado sobre a execução da estratégia, permitindo não só avaliar o grau de concretização das medidas, mas também identificar domínios prioritários de reforço ou reorientação, com base numa leitura crítica e participada dos resultados.

Este compromisso com a avaliação contínua, participada e baseada em evidência reforça a credibilidade política da estratégia e potencia a sua capacidade de gerar mudanças estruturais duradouras no panorama europeu da inovação e do empreendedorismo tecnológico.

Opinião T2B

Do ponto de vista de quem acompanha de perto o ecossistema de inovação europeu – e em particular o português –, a Estratégia Europeia para Startups e Scaleups surge como uma resposta estruturada, ambiciosa e tecnicamente sólida aos principais bloqueios que têm limitado o crescimento sustentável das empresas tecnológicas na Europa. É um avanço importante. No entanto, importa reforçar que o sucesso desta estratégia não depende apenas da sua conceção política, mas sobretudo da sua execução prática e do envolvimento dos múltiplos atores no terreno.

As medidas propostas são relevantes, mas só produzirão resultados se forem acompanhadas por um esforço real de simplificação administrativa, articulação interinstitucional e acesso efetivo aos instrumentos financeiros e às plataformas de apoio. Sabemos, por experiência própria, que demasiadas vezes as oportunidades anunciadas a nível europeu não se traduzem em impacto tangível nos territórios e nos empreendedores que mais delas precisam.

Em Portugal, será fundamental garantir que esta estratégia não seja apenas acompanhada a nível governamental, mas também entendida e apropriada por quem está a inovar todos os dias: startups, scaleups, centros de investigação, investidores, municípios e redes de incubação. A Europa está a criar condições para que mais empresas portuguesas possam competir em igualdade no mercado único. Mas cabe-nos a nós, enquanto agentes do ecossistema, promover essa ligação com o que está a ser desenhado em Bruxelas – com pragmatismo, ambição e foco na execução.

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